Clipping Estadão
Mudança em investimentos é o instrumento mais forte para prevenir e atenuar os efeitos nocivos das mudanças climáticas sobre a vida de bilhões de pessoas
01 de abril de 2014 | 15h 46
Carlos Bocuhy, Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
Entramos no Antropoceno, defende a Sociedade Geográfica Britânica, atestando a mudança de era geológica desde que o Planeta passou a ser regido pela intervenção humana. Os sucessivos painéis do IPCC apontam esse mesmo contexto. Rompemos a capacidade de suporte do planeta com o lançamento de gases de efeito estufa, ou seja, superamos os limites de alterações aceitáveis na atmosfera terrestre.
A maioria da população ignora os riscos. Vejamos por um ângulo: da imprevisibilidade que assolará mais e mais o regime de chuvas. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais declarou, há pouco tempo, que não há mais confiabilidade na série histórica de pluviometria. Trata-se agora de fenômeno errático, que passo a passo se torna intempestivo, concentrado e seguido de veranicos. Haverá maior incidência de eventos extremos. Qual a segurança para as obras projetadas com base na série histórica e em áreas com declividade, sejam estradas, edificações, etc.? Quanto custará a adaptação para o novo cenário?
Frente à segurança alimentar, quanto custará à agricultura brasileira adaptar-se? Qual o montante de investimento em processos de irrigação e contra a erosão de solo que arrasta para rios e represas bilhões de toneladas de solo fértil, diminuindo lentamente sua capacidade de vazão e armazenagem? De que montante será o prejuízo para a biodiversidade com o fenecimento da Floresta Amazônica? Qual a valoração da perda de biodiversidade decorrente das alterações no regime hídrico no Pantanal, com a perda de transposição de umidade da Amazônia? São perguntas basilares para as quais a sociedade brasileira ainda não acordou. Basta verificar que inexistem políticas setoriais que, possuem capacidade de intervenção prática na realidade?
Se governos e setor privado discursam em tom pró-sustentabilidade, uma coisa não muda: a economia. Bruce Rich, autor do livro Foreclosing the Future: the World Bank and the Policies of Environmental Destruction, lançado ao final de 2013, demonstra que ao longo dos últimos 20 anos os investimentos do World Bank (WB) privilegiam a devastação. Observando os investimentos do WB durante o ano de 2011, quando as mudanças climáticas já eram amplamente reconhecidas, verificou que houve investimento de US$ 10 bilhões em financiamentos para a área de energia, sendo apenas 35% destinados à energias renováveis, enquanto que 65% foram destinados a combustíveis fósseis. Rich conclui que há um comportamento assemelhado à amnésia, já que a maior agencia multilateral mundial não consegue avaliar suas políticas e aprender com seus erros.
Para nós brasileiros a questão é a mesma. Quais as políticas setoriais que atuam sobre as causas do aquecimento global? Biocombustíveis, à custa da destruição de ecossistemas por monoculturas intensivas?
Surgem hoje iniciativas interessantes na Europa de como adaptar totalmente uma instituição, como por exemplo uma universidade, em toda sua estrutura, vida interna e aspectos práticos, a um comportamento adequado que atenue as causas do aquecimento global. Há pequenas ações, mas que rumos a economia internacional e brasileira tomam para evitar a gigantesca deseconomia planetária que emerge literalmente em resposta à intensidade das ações humanas? Qual o papel do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)? Qual o papel dos bancos privados? O que vão financiar, sustentabilidade ou insustentabilidade? Mudanças climáticas é um assunto que está devidamente contemplado nas salvaguardas éticas dos agentes financiadores quando os financiamentos são concedidos?
A mudança da economia é o instrumento mais forte para prevenir e atenuar os efeitos nocivos sobre a vida de bilhões de pessoas.
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