terça-feira, 8 de abril de 2014

Só uma pequena história...... (conto de Denilson Luiz Cicote)

Texto que publicava em meu antigo Blog, o Verbo e Paixão junto com minha querida amiga Sonia Leão. 


Está é só um pequena história, com um leve valor sentimental. Sempre escrevo, porém pouco publico. escrevo muitas "historinhas", que me servem como exercício de relaxamento e destravamento literário. Nascem e desenvolve-se quase que no piloto automático, feitas de um só folego, construídas através de vivencias e sentimentos. Os que me parecem filhos mais fortes deixo sair e enfrentar o mundo


Amanhece
O alvorecer tinge esparsas nuvens de vermelho sangue. Há uma luta entre as trevas noturnas e a luz que anuncia o novo dia. Por um mágico e assustador instante há a ilusão da luz fraquejar e o sol, cansado da contínua luta do dia após dia entrega-se, finalmente, lenta e va ga ro sa men te a escuridão. Tudo para! Não é noite. Não é dia ainda. Indefinido momento. Parecendo retomar forças, o sol então irrompe.Cascatas de luz empurram rios de trevas para longe e para frente. A luz, agora vencedora, reina mansamente banhando tudo ao seu alcance. Passou o instante, passou a magia.
O dia claro surge para as pessoas como apenas mais um dia. Inconscientes da feroz e titânica luta aquecem seus corpos e almas em xícaras, microondas e noticiários, tomando seu leite puro do campo da mais pura e bela caixinha. Leite ruim pra gente boa, leite bom pra gente ruim, todos insensíveis a morte do leiteiro que a própria caixinha matou.Crianças consomem preguiçosamente flocos de super-vitaminas artificialmente naturais com 11 minerais naturalmente criados pelo homem.
Não longe de suas casas outro drama tem inicio.
Em um dos inúmeros pontos da cidade, um amontoado de ilusões, sonhos e esperanças esperam.Logo será a vez deles, mesmo por pouco tempo, serem parte da realidade.
Pessoas chegam à larga rua. Conversam. Discutem amigavelmente. De forma não natural sorriem naturalmente. Esperam.
O coração acelera. Segundos antecedem o estampido seco em uma cadencia insana. Só em meio a tantos. Outras dezenas observam tudo em silencio. Imagens sucedessem com rapidez. Imagens nos olhos. Imagens na mente. Rua, rostos tensos, arma em punho, suor escorrendo, asfalto escuro, sol, água, camisas, costas, números fora de ordem. O tempo para. A vida para. O tempo passa. A vida passa. A tensão aumenta.Em poucos segundos o reboar do seco estampido transformará em movimento essa falsa inércia. Um estampido definindo a vida. Um novo começo. Ali, finalmente, todos são iguais. Homens - maquinas, super homens, homens comuns, lugar comum. Alguns fixam o chão tentando não pensar em nada.Alguns, o horizonte tentando pensar em tudo. Todos a espera de um tiro que lhes trará a vida, a emoção momentânea. A ilusão, a esperança que não abandona. Quixotes enfrentando seus moinhos de vento . O vento no rosto, a boca seca, o tiro. Eurípedes modernos em suas maratonas particulares. Vencendo a vida, vencendo a dor, vencendo o cansaço.
Ecoa o tiro.
Ecoa o BOOOOOOOmm momento da largada em uma explosão de músculos.
Uniformemente a massa humana avança com um só pensamento, um mesmo objetivo para todos, um só objetivo para cada corredor.Correr pra vencer. Vencer todos, vencer alguém, vencer a si mesmo. Vencer sentimentos, vencer a prestação atrasada, vencer a dor do abandono, vencer a tristeza da morte.. Vencer a perda, ser melhor, ser alguém.
O que era aparentemente compacto cinge-se em pequenos blocos. Avançam. Dividem-se ainda mais. Enquanto poucos seguem solitariamente juntos a frente dezenas vão bem atrás, não tristes, unidos. Se por um breve instante antes da partida tiveram a ilusão e esperanças da vitória estão felizes agora em poder participar e apenas terminar. Outros nem isso. Ficarão pelo caminho.
Os corredores seguem como o tempo em uma única direção e um único fim. Avançam. Correndo contra o cansaço, o desanimo e a sede. Tudo é simultâneo. A consciência de um outro ao lado já não o torna tão igual e o instante anteriormente tão largo e demorado cresce assustadoramente naquele pequeno grupo em que o levantar e descer de pernas segue a respiração ofegante do ritmos dos braços queimados de sol onde a face derrama o liquido salobro sobre a terra. No horizonte divisam a chegada. O ritmo cresce freneticamente como se a força não estivesse nas pessoas, mas sim naquele ponto, exercendo atração, puxando.
Perto demais do fim dois correm lado a lado. Outros três acompanham a menos de um passo, e não tão juntos, formam o desenho de uma pequena escada. O último degrau adianta-se, busca forças, destaca-se desfazendo a escada. Emparelha com os dois primeiros. Um deles força a marcha. O outro tenta responder, mas não consegue. Agora o atrevido degrau está entre os dois. Força ainda mais o ritmo. A imagem da chegada nos olhos. Imagens na mente. Pessoas, rostos tenso, suor abundante, o asfalto escuro, o sol, a água, camisas, pessoas, números em confusão, chegada, gritos, mais força, maior ritmo, gritos, grito, a dor, o chão se aproxima vertiginosamente dos olhos, a dor, o desespero, a dor, a derrota, o grito alucinante. O degrau desaba. Levado pela vontade, traído pelo corpo. Ícaro que ousou chegar perto demais do sol. Sob o peso da dor, ainda pode ver com a cabeça inclinada a passagem do vencedor pela chegada.
Quase inconsciente pela dor, é socorrido pelos espectadores. Recusa ajuda. Apóia-se nos braços, nas pernas doloridas. Rejeita o médico. Levanta os olhos, divisando o objetivo. Respira fundo. Passos vagarosos em uma lenta agonia. Sofrimento no rosto, misturado a expressão orgulhosa e teimosa. A multidão hipnotizada acompanha, sofrendo ela também. Orgulhosa ela também. Teimosa ela também. Deixa os vencedores sozinhos e vencidos na linha de chegada. Lá eles esperam para prestar homenagem a aquele homem, que já não vem mais sozinho. Filmado, fotografado, sua imagem corre rápido e com velocidade pelo mundo. Amanhã será manchete. Primeira página. Mas hoje mesmo terá sua vida esmiuçada, lenda criada, linhagem de semi-deuses eternizado no Olimpo do mundo digital. Depois, será convenientemente substituído, esquecido e abandonado.
Tudo terminado, tudo comentado, o dia retomará seu ritmo ao cair da tarde. Longe do drama as pessoas voltam para casa. Para seus televisores, suas xícaras, seus microondas. A eterna luta tem inicio, e a trevas lutam para engolfar mais uma vez a luz.....

Nenhum comentário:

Postar um comentário