Por Denilson Luiz Cicote;
Eu tenho um cemitério de sonhos. Seu calçamento é simples, de pedras, as que foram encontradas no caminho e espalhadas, pedras que transpus, quebrei ou contornei. Muitas atiradas em mim e outras que atirei e voltaram. Não, não me pertenciam, mas ajudaram a fazer esse pequeno memorial. É um memorial com as ruas bem cuidadas este, mas não em todos os lugares.
Ando pelas alamedas, pelas quadras, algumas o mato cresce e ameaça cobrir os sonhos ali enterrados. Observo pesarosamente às campas. Espio as lápides com o sentimento diferente que temos a cada ente. Algumas lápides têm apenas o nome, porém a data já apagada, sonhos de outrora, sonhos da meninice, mas que sob a terra florescem as mais variadas flores e arbustos.
Foram sonhos lindos, de criança, sonhos de voar (ah, Deus! O quanto ele ainda me assombra deliciosamente em meus sonhos, como se ainda vivesse. Será que vive?), sonhos de heróis, amizades, dos primeiros amores, tão puros e inocentes. As vezes são os mais simples, mas são os que devoto mais tempo a cultivar, orar, jogar sementes em cima da terra fofa. Agradeço silenciosamente por terem estado comigo, ainda que por pouco tempo e em um passado tão distante, marcados com o tom da antiga inocência onde os sonhos ainda não tinham sangue e a morte tão heróica que não havia mortos, a princesa era você além das outras três.
Amo e sinto saudades de cada um, choro silenciosamente. Outros o mato está tomando conta. Às vezes teimosamente procuro cuidar, carpir a vegetação e lavar o mármore frio, mas na maioria das vezes simplesmente desvio os olhos. São sonhos dos quais apenas deixo que façam parte deste meu pequeno cemitério particular, mas não tenho orgulho, me sinto envergonhado de um dia tê-los sonhado.
Não deveríamos ter vergonhas de nossos sonhos, e apesar de recobertos pela vegetação ao olhar reconheço e revivo cada um, cada sofrimento, cada dor. Ainda assim são meus. Outros são enormes mausoléus. Sonhos de grandeza adulta. Estes me intimidam, dão medo, ainda assim empurro as pesadas portas de metais onde estão guardados. Mausoléus cheios de enfeites fúteis, estátuas de gente famosa, tão reais como a comemorar uma vida que não mais existe, uma grandeza que nunca tiveram. Sonhos que imaginei nobres, mas que muitas vezes enterraram sonhos de outros. Sonhos de impor sonhos aos outros. Recobertos de pó, do pó que nasceram.
Eu tenho um cemitério de sonhos, e apesar de saber que todos estão mortos, e que ainda há muita terra para cavar para outros que vão nascer e morrer torço para que alguns renasçam da terra fria, tomem vida. As vezes sinto reconhecê-los nos olhos dos adolescente enamorados, e digo comigo mesmo, lá vai um sonho meu que renasceu. Olho um casal feliz e imagino um outro sonho conhecido abanando-me a mão, sorrindo como a dizer que está tudo bem. Mas já não é mais meu, se é que foi um dia.
Eu tenho um cemitério de sonhos, um cemitério que terá fim quando meu corpo já não mais sonhar e a terra fria cobrir meu corpo. Não quero um frio mausoléu, quero uma campa igual a dos meus sonhos mais queridos, com grama em cima, flores, que irão fatalmente cobrir meu nome e terei passado para sempre. Assim quem sabe meus sonhos consigam fugir deste cemitério da memória e de novo ganhar vida, aquecerem outras pessoas, enquanto meu corpo se desfaz no mais frio da terra e não seja mais que uma sombra da memória, até desaparecer por completo, destino de muitos sonhos.
Denilson Luiz Cicote
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